Aqui eu introduzo outro livro de Oliver Sacks chamado “O antropólogo em Marte” e, mais uma vez, é uma coletânea de sete histórias que contam casos clínicos curiosos. O capítulo de hoje é intitulado “Ver e não ver” e mostra como o cérebro humano é algo surpreendente.
Virgil (um homem bem azarado, por sinal) adquiriu sérias condições logo nos primeiros anos de vida: catarata e degeneração da retina. Não é preciso dizer que ele não enxergava depois disso. Passou 45 anos vivendo como cego até que foi submetido à cirurgia de remoção da catarata e, assim, perceberam que a sua retina ainda funcionava.
Mas o curioso de tudo é que, ao invés de explodir de alegria e sair gritando “EU POSSO VERRRRR!!!”, a passagem de um cego para alguém que vê foi extremamente traumática para ele. Parece estranho, não? A visão é um sentido extremamente complexo e demora-se anos para aprender a dominá-la: tempo que passamos tão suavemente nos primeiros anos que nem nos damos conta.
Você certamente não se lembra de quando era bebê e tentava pegar as coisas que estavam do outro lado da sala só esticando o bracinho, achando que estavam perto de você. Há muitas etapas envolvidas nesse aprendizado que ainda parece ser um mistério. Para se ter uma idéia, metade do nosso cortéx cerebral é dedicado à visão e seus processos.
Resultado: Virgil não sabia distinguir o seu cachorro de lado e de frente, pois parecia totalmente diferente para ele. Não conseguia ver uma foto como representação da realidade, para ele era apenas um monte de cores aleatórias. Pinturas então, nem sonhando. TV e cinema também eram coisas bem dificeis para ele compreender.
Misturava sua visão dos olhos com a visão que tinha com as mãos. Olhava o seu gato, tocava-o e sabia que era um gato; pegava a pata e olhava e sabia que era uma pata; apalpava a cabeça, a observava e sabia que era uma cabeça; tocava o corpo e sabia que era o corpo de um gato; porém ficava confuso porque não conseguia enxergar como a pata e a cabeça se encaixavam no corpo.
Não conseguia distinguir um gorila de um homem até tocá-lo (no caso, uma estátua em tamanho real) e perceber que era muito diferente. Aparentemente, as partes de seu cérebro que eram dedicadas a visão foram convertidas ao tato de modo que ele não tinha uma visão completa e se não tocasse e olhasse ao mesmo tempo.
Você certamente sempre teve a idéia de que todo cego quisesse ver (aposto que muitos cegos querem ver mesmo, mas não sabem o que “ver” significa)…mas será mesmo? Precisamos entender que todos vivemos em um universo diferente, que cada pessoa tem seu modo de viver a vida e que, nem sempre, mudanças serão bem recebidas.